quinta-feira, 18 de agosto de 2016

‘Quem tem boca vaia Roma’... ou vai a Roma...

[Fonte: www.viajandonasbolhasdosaberporque.blogspot.com]

Há quem diga que o certo é ‘vai a Roma’, que os dicionários de provérbios desta forma o asseguram, posto que assim dito significa aquele que não tem acanhamento de pedir informação sobre o rumo a seguir. Há também os que advogam que o correto seria ‘vaia Roma’, o que ocorria na época dos imperadores, quando estes abusavam dos seus ‘desgovernos’ e eram submetidos às vaias do povo. Ops... parece que voltamos à época dos imperadores, não é? Acho que neste caso... faz muito mais sentido. Deixemos este escrito para outro momento.

Mas o que quero refletir aqui é sobre o ato... a vaia. No dicionário, diz-se de uma manifestação de desaprovação, um sinal de que algo não está agradando. Mas a nossa linguagem não é limitada, é sempre possível ir além da semântica. Disto o povo brasileiro bem o sabe... Quer dizer, quase sempre não sabe, mas faz uso, ainda assim.

No meio esportivo, por exemplo, a vaia ganha outro tom, nem sempre está atrelada à desaprovação de algo, muito menos à desordem, tão bem atribuída enquanto ‘sinônimo de povo brasileiro’. Em muitos momentos, ela funciona como o posto do apoio, um estímulo à desconcentração, um desejo ferrenho de que o adversário cometa uma falha, tendo esta, muitas vezes, como a única saída para a vitória dos seus elegidos. Funciona como ‘eu não estou vaiando a sua pessoa, só estou torcendo para que o meu favorito se sagre vencedor’. Sim, pode revelar um ato destituído de educação, uma descortesia. Mas quando razão e emoção entram em embate, o descontrole e o bom senso não formam a pauta.

Eu penso que nos jogos olímpicos, vividos em nosso país, talvez, como oportunidade única para muitos de nós, as vaias são tão somente a expressão esfuziante de uma plateia apaixonada, que nelas encontrou uma forma de manifestar para quem vai a sua torcida. Mas está longe de ser um símbolo de desagrado, de discordância, de desaprovação de um ato ou de uma pessoa, pois é por demais sabido o quanto se reconhece o valor daqueles que cá se apresentam, competindo, exibindo o seu talento, tentando fazer valer os seus anos de esforços.

Se pudéssemos ter um olhar mais apreciativo, entenderíamos um pouco mais sobre o significado e o sentido das coisas, e atribuiríamos menos julgamentos frouxos, sem liga nos argumentos. Não aprovo as vaias que desrespeitam os cabelos brancos, que denigrem, que humilham. Mas consigo perceber quando elas soam com outros sentidos...

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Nova prosa com Ariano

Sobre o que sucede por estas bandas...

Fonte da imagem:[www.almanaquedacultura.com.br]

_Mestre Ariano... vamos confabular um bocadinho?

_Diga lá, essa menina! O que sucede desta vez? Qual foi a agonia que se aboletou no seu coração?

_Mestre... Eu ando encafifada com os acontecimentos pelas bandas de cá deste mundo. O senhor vive noutro plano, faz nem ideia do que ocorre por aqui. Mas se cá estivesse, será que a balbúrdia acontecida nestas paragens daria um Auto dos bons, daquele da Compadecida? Que lição a gente pode tirar de tudo isso?

_Oxente, homem, me conte a ruma de coisa que tanto se passa por aí, que eu digo daqui o que faria! A cadeira celestial aqui é boa, de uma palha até confortável, mas nunca mais escrevi uma linha sequer. De repente, eu dito e você escreve daí!

_Espie só, mestre: o respeito é uma coisa rara, o senhor bem sabe. Isto acontece por aqui desde o seu tempo. Mas está cada vez pior. O povo não quer saber de entender o gosto do outro, as suas posições políticas, as suas crenças, como se posiciona sexualmente na sociedade. Foi diferente da pessoa, vixe! Mete logo o pau! E não fica por aí, não, professor! O povo julga, condena, esquarteja e mata. O sujeito não tem nem direito a um julgamento justo. Pode isto?

_Olhe, essa menina, estava aqui pensando na cena do julgamento da minha obra, que você conhece muito bem, e penso que o diabo não ia conseguir salvar ninguém dessa vez, pelo que você me conta. Acho até que ele ia precisar dos ‘décimos’ do inferno, porque os quintos já estariam todos ocupados, não é, não?

_Então, não é, mestre? A coisa está indo de mal a pior. É rico humilhando pobre, achando que por ter muitos tostões na carteira vale mais que a vida dos desvalidos. E nas empresas, então! É igualzinho àquele seu ditado: ‘é tanta condição que se exige pra dar emprego, que eu não conheço um patrão com condição de ser empregado’. E é até pior, porque os patrões impõem o seu poder sobre os que precisam, e o assédio moral é a coisa mais comum. Daqui a pouco vai fazer parte dos valores estabelecidos nas organizações, vai ser a missão: ‘Humilhar os hierarquicamente inferiores, diariamente, para que façam apenas o que mandamos, sob pena de exclusão do quadro de funcionários’. E ainda tem aqueles bajuladores de plantão, que não perdem a oportunidade de fazer mal ao colega. O senhor não vai nem acreditar, mestre. Enquanto isto... os ricos cada vez mais ricos... As águas seguem correndo para o mar. Eu mesma não me admiro mais de nada!

_Repare bem, essa menina... pelo que você me conta, o enredo é o mesmo daquele Auto, está tudo lá – simonia, estelionato, incitação à concupiscência, velhacaria, arrogância com os pequenos, subserviência com os grandes, em prol dos escusos interesses comuns, ausência total de coleguismo, intolerância religiosa, de gênero, profanação do nome de Deus... E tudo isto capitaneado por uma ruma de falsos pastores, de homens cheios dos tais ‘fóbicos’, de patrões que não conhecem a verdadeira liderança, um bando de cachorros (sem querer ofender os bichinhos), premeditadores (e réus) de crimes inúmeros, travestidos de paladinos da moral e da ética. Falta nada mais, não. O que você acha, essa menina? Está mesmo uma desgraça só! E estou vendo que está tudo num bolo só, espalhado por tudo o que é canto, de todo tipo e qualidade de instituição. Está na instância política, está nas empresas, nas igrejas, na sociedade toda... Aliás, essa menina, eu tenho pra mim que deveriam inventar outro nome pra sociedade. Se sociedade quer dizer um agrupamento de gente que convive em colaboração mútua, esse negócio está errado, não está, não?

_Mestre... está difícil, mesmo. Eu penso, penso, me viro pra ver se sai uma reflexão... mas, neste caso, o penso fica torto e eu não encontro uma saída. E se a gente apelasse para o Capitão Severino, pra ele mandar uma carrada de bala nessa (des)gente toda?

_Adiantava, não, essa menina. Você iria se igualar a todo esse rebanho de condenados. Iria ser mesminha àquele povo que tira a vida do seu semelhante, alegando a ordem de Deus, em nome de uma religião que nada disto prega. Seria igual aos patrões que pensam ser reis, arrodeados de súditos. É tudo uma cambada de desordeiros, fingidores de moralidade. Deixe este povo pra lá, quem nem pra dar gosto ao Cão eles servem. O causo é de pedir inspiração divina e aumentar a fé, e seguir firme nas suas convicções de amor e respeito ao seu semelhante. Porque nem pra rir serve... Nem mesmo as inocentes e engraçadas artimanhas do meu João Grilo podem nos arrancar o riso frouxo. Talvez, só mesmo as lorotas de Chicó podem nos servir como engodo pra gente ganhar tempo enquanto pensa numa saída mais justa para todos. E muita reza, essa menina... muita apelação à Compadecia... para que ela volva seu manto sobre os inocentes, sobre os que perdem a vida, sobre os que sofrem injúrias, perseguições, ameaças... sobre os que choram a morte dos seus, sobre os que sofrem violências, sobre os padecem com a miséria...

_ É, mestre, Ariano... Eu volto a refletir que a arte tenta imitar a vida, mas a história que estamos vivendo tem enredos e personagens tão extraordinária e cruelmente reais, que não há ficção capaz de atribuir mera coincidência em qualquer que seja a semelhança...

_É, essa menina, se amofine, não! Tenha fé em Deus, Jesus e na Compadecida, que vai dar tudo certo. Eu não sei como... só sei que será assim...

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Um 31 de março de 1964... revisitado em maio de 2016...

As feridas foram abertas... um triste prenúncio se desenha. A luta por justiça e igualdade trava mais uma sangrenta batalha...

[Fonte: www.baudovalentim.net]

Naquela madrugada de 31 de março, o terror que tomou conta do País já era esperado. O que nos assombra agora se esconde por detrás de ‘bons rostos’, falsos profetas da justiça e da moralidade. Outra vez nos atemoriza o morrer em vida, o regredir, o ter que calar. Mais um vez se busca justificar o que não tem aparato jurídico, o injustificável. Os rotos (para não dizer os ratos) especulando aqueles que eles fazem questão de esfarrapar.
Como em bom pernambuquês, o estado democrático de direito levou uma carrada de bala bem na caixa dos peitos, e agoniza sob a vigília dos atiradores. A preguiça intelectual segue desfilando suas frases feitas, advogando em favor dos carrascos, usando a palavra justiça como se fora rótulo de cigarro vagabundo, feito numa folha qualquer caída de uma árvore, envolta num fumo de rolo. Pobres incautos... de tanto se voltarem apenas para os seus próprios umbigos, se esquecem de levantar a cabeça, de olhar em volta e perceber que todos... todos... todos são a si iguais... E nem imaginam o que lhes espera...
Depois daquele 1964, quem sobreviveu buscou renovar as energias e retomar as lutas. Os direitos foram reconquistados, a democracia, enfim, havia sido retomada... Havia... 'Golpe' nos pareceu, por longas eras, apenas um verbete no dicionário. Mas as muitas e velhas raposas empoderadas, e suas crias e discípulos, nos chagaram outra vez e nos instituíram ao caos que se anuncia...
São os oriundos daquele período de horror, são os da mesma espécie, e se vestem de um ódio ainda mais exacerbado. Acharam pouco a justiça cega, e a violaram. São tiranos, incitadores de violência, indignados porque a força é de todos, o poder de voz é livre e se pode expressá-lo. São rotuladores da vontade alheia, dão veredictos sem julgamentos, mas sequer julgam seus atos... tão dolosamente indefensáveis.
Infelizmente... as cortinas não se fecharam como pensávamos. O filme continua em tela... fora apenas remodelado e, tão perigosamente quanto no passado, se desenha mais bem articulado. Infelizmente... nunca será fácil, nunca será diferente, nunca será justo...
Mas não irão calar a voz democrática... Ela é livre para ir... para não querer sair... para voltar... Não há quem a imponha um caminhar. Não a subestimem, não desviem dela o olhar... a voz democrática fala por uma multidão, grita pelo justo e equânime... canta a luta por liberdade e desta, sim, se torna prisioneira, porque, por ela, não há temor em se amarrar. Porque lutando, ela impõe o seu tom mais alto, se faz livre, e só pelo direito de soltar o seu grito ela se deixa aprisionar...
Não há barreiras que obstruam os nossos gritos, não há muros que suportem o eco dos que não desejam se calar... Resta-nos seguir lutando, gritando... pela manutenção do processo democrático, pelo direito de ser, ir, vir, pensar, escolher e praticar.
Liberdade, Liberdade... mantenha suas asas abertas sobre nós!
Que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz!

O auto da vida real

Conversando em pensamento com Ariano...

[Fonte: www.youtube.com]

_Ariano, Ariano... meu eterno e saudoso mestre... Eu fico pensando se cá estivesses e criasses um auto, tal qual o da Compadecida, tendo como cenário a Câmara e o Senado...

_Olhe, essa menina eu teria dúvidas sobre quem faria o diabo. Tem tantas opções, quase tão reais quanto o próprio, não é? Mas acho que o enredo todo já está montado. Repare bem: está tudo lá – simonia, estelionato, incitação à concupiscência, velhacaria, arrogância com os pequenos – o povo –, subserviência com os grandes, em prol dos escusos interesses comuns, ausência total de coleguismo, e tudo isto capitaneado por uma ruma de promotores cachorros, premeditadores e réus de crimes inúmeros, travestidos de paladinos da moral e da ética. Falta nada mais, não. O que você acha, essa menina? Aquilo está uma desgraça só!

_Mestre... está difícil, mesmo. Mas acho que... primeiro, eu apelaria para o Capitão Severino, corria lá e gritava: _cadê você, Capitão, que não mete uma carrada de bala nas fuças destes cangaceiros de paletó e suas ‘Supremas’ volantes?

_É, mesmo. Aquilo é uma cambada de desordeiro, fingidores de moralidade. O meu João Grilo tinha lá as artimanhas dele, está certo. Mas eram até inocentes e promovedoras do riso frouxo. E no final de tudo, prevalecia o julgamento justo e, por sua força e fé de homem do povo, ele também era perdoado.

_ E Chicó, então, mestre! As lorotas dele não eram engodos para ludibriar os incautos, eram apenas gracejos para provocar o riso do povo, não era, não?

_Verdade, essa menina! Escute bem, eu sou capaz de lhe dizer que naquele rebanho de condenados não há sequer um que mereça o caminho do purgatório... e creio, também, que recebê-los não daria gosto ao cão. Daria, nada!

_ É, mestre, Ariano... A arte tenta imitar a vida, mas a história que estamos vivendo tem enredos e personagens tão extraordinária e cruelmente reais, que não há ficção capaz de atribuir mera coincidência em qualquer que seja a semelhança... O senhor não concorda?

_Essa menina, repare... eu lamento, mas não sei... só sei que é assim...

_ Só nos resta rezar à Compadecida, mestre...

Valha-nos nossa Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! Um julgamento foi encomendado, mas não há um juiz inocente sequer. O que recolhe os autos tem crimes de responsabilidade, mas senta em cima dos seus dolos e acusa o outro de pé. Já vivemos ditadura, nos cassavam a opinião. Se falássemos, viveríamos a tortura, os algozes não tinham compaixão. Hoje o grito é liberto, mas a justiça foi violada, torturada a democracia. Valha-nos, minha Nossa Senhora, liberdade sempre... ainda que tardia!

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Vagabundo

No dicionário, “aquele que leva vida errante, perambula, vagueia, vagabundeia; que leva a vida no ócio; indolente, vadio”.

[Fonte: www.kadrajsinema.com]

No pensamentos dos juízes sem toga, qualquer um que, independente do quanto se mate para trabalhar, estudar, formar pessoas, profissionalizar, colaborar com o meio em que vive, prega o estado democrático de direito, a liberdade de expressão, a oposição contrária aos desmandos oportunistas dos criminosos que querem ver enforcada, trucidada a democracia.

Refletindo...
Estamos nos tornando carimbos, vivendo de dedos em riste... e rotulando as pessoas por suas opiniões, gêneros, opções ideológicas, políticas, esportivas... de ‘qualquer coisa’... que se apresente diferente do que pensamos.

Estamos nos descuidando... atribuímos valores equivocados às pessoas, sem mesmo nos darmos conta de que, ao fazê-lo, destruímos os nossos próprios valores... ou mostramos, de fato, quem somos...  

Estamos nos afastando... cada vez mais do olhar apreciativo, do respeito ao próximo, do bom senso, do cuidado com o outro... da autorreflexão... de olhar para o que somos, o que fazemos, o que estamos deixando de fazer... das nossas janelas sujas...

Estamos nos perdendo e nos mediocrizando... não lemos mais, não aprimoramos o nosso conhecimento, não visitamos a história, não nos reportamos às durezas vividas, não trocamos ideias, não conversamos... não nos informamos... e vamos propagando o desconhecido, o não fundamentado, o que o outro disse, vindo não sei de onde... sem enxergarmos as nossas falhas, sem nos autocriticarmos, sem observarmos a nossa causalidade, sem o menor cuidado com o tanto de contrariedade entre o que professamos e o que praticamos...

Estamos nos desoportunizando... somos tantos, somos tão fortes, temos tanta gana... Poderíamos estar mais unidos, poderíamos alinhar mais os nossos pensamentos em prol do outro... A luta poderia ser uma só, poderia ser de todos. A luta deveria ter um objetivo comum: igualdade, equidade e justiça para TODOS.


Estamos nos desconhecendo e nos emburrecendo... ora, não é a vida errante? Se todos nós somos dela passageiros, se neste mundo perambulamos, cada um buscando seu destino, seu espaço, traçando sua rota, com suas aspirações e ideais, mas nela vagando, rumo a um fim que não conhecemos... somos TODOS, então, no mais perfeito sentido da palavra, VAGABUNDOS... E nos tornando indolentes... se não vadios, infelizmente... VAZIOS...

quarta-feira, 30 de março de 2016

O horror que nos assombra

52 anos de uma infeliz madrugada de 1964...


[Fonte: www.infinitesimoimprescindivel.blogspot.com]

Eu só viria ao mundo 3 anos depois, mas quando me entendi de gente, por assim dizer, tomei consciência política e me alimentei do valor que é lutar pelo que é justo e igualitário, senti a dor daqueles que não puderam velar os seus mortos, dos que tiveram suas vidas ceifadas por expressarem suas opiniões, por lutarem por suas crenças, pelo desejo de justiça social...

Era madrugada de 31 de março de 1964... e o terror tomou conta do País. Os que sobreviveram deixaram para trás suas casas, suas famílias, morreram um pouco em vida. Alguns nunca mais voltaram... senão para serem enterrados no solo em que nasceram. Os setores mais organizados e politicamente mobilizados também sofreram suas baixas, foram violentamente reprimidos em suas ações. Pessoas foram presas, irregularmente, torturadas, curradas, violentadas. O Nordeste foi a região mais atingida. As ruas de Recife ainda trazem o remorso pela pele arrancada de Gregório Bezerra, que por elas fora amarrado e arrastado.


Naquele abril de 1964, o tal ‘Ato Institucional’, que deveria ser chamado de ‘Inconstitucional’, foi utilizado para justificar o que não tinha aparato jurídico, o injustificável. Pessoas foram destituídas de seus direitos, foram cassadas, caladas, perseguidas, jogadas ao ostracismo, atingidas em seus brios. Feriram de morte o processo democrático.

Os militares diziam ter como objetivo restaurar a ordem, a segurança, a disciplina e deter o que eles denominavam de “ameaça comunista”... a custa de sangue, tortura e morte. Disciplina? Ordem? Segurança? Os rotos (para não dizer os ratos) especulando os esfarrapados.

O tempo passou, os sobreviventes renovaram as energias e retomaram as lutas. Os direitos foram reconquistados, a democracia, enfim, foi retomada. ‘Golpe’ parecia, por longas eras, apenas um verbete no dicionário. Mas ainda há muitas e velhas raposas empoderadas, que insistem em reabrir as feridas e instituir outra vez o caos.

Os que se manifestaram em favor daquele período de horror ainda são os da mesma espécie, e se vestem de um ódio ainda mais exacerbado. Acharam pouco a justiça cega, e a violaram. São capazes de negar socorro, se o pensamento do outro for ao seu contrário. São tiranos, incitadores de violência, indignados porque a força é de todos, o poder de voz é livre e se pode expressá-lo. São rotuladores da vontade alheia, dão veredictos sem julgamentos, mas sequer julgam seus atos, todos tão indefensáveis.

Infelizmente... as cortinas não se fecharam como pensávamos. O filme continua em tela... fora apenas remodelado e, tão perigosamente quanto no passado, se desenha mais bem articulado.

Resta-nos seguir na luta pela manutenção do processo democrático, pelo direito de ser, ir, vir, pensar, escolher e praticar.

Liberdade, Liberdade... mantenha suas asas abertas sobre nós!
Que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz!

terça-feira, 29 de março de 2016

Vermelho...

O peso por detrás de uma cor...

[Fonte: www.reikianos.com.br]

Seu nome vem da palavra pequeno verme, vermis, na língua latina. Desde a criação do mundo, o pobre vermelho vagueia entre o bem e o que denominam de ‘mal’. Se por um lado significou fertilidade e sorte, por outro já foi a cor atribuída a Seth, o deus da violência. Representava a luta também... Talvez por seu apelido, ‘encarnado’, dar cor ao sangue encravado nas veias. Na verdade, tudo o que o vermelho queria era ser apenas uma cor. E foi...
Houve um tempo em que vermelho era conhecido por descrever os planetas e as grandes estrelas, por colorir os vegetais, minerais, a pele, as escamas, os pelos, as penas. No século XIX, ficou famoso, juntou-se ao negro e deu origem a um célebre romance francês de Henri-Marie Beyle, o igualmente célebre Stendhal – Le rouge et le noir.
Houve um tempo em que vermelho, quando em par ou trio com outras cores, representava times de futebol. Na plumagem das aves, poderia ser apenas um Galo de Campina, um Sanhaçu-escarlate, um Cardeal... Nas bandeiras, viajava a todos os continentes... quando dominava o espaço, poderia ser a China, e se misturado a outras cores, poderia ser França, Itália, Portugal, Canadá, Bósnia e Herzegovina, Angola, Camarões, Eritreia, Bermudas, Chile, Colômbia, Barein, Armênia, Birmânia... Já se vestiu até de boi do folclore da Ilha Tupinambarana.
Houve um tempo em que vermelho era sinônimo de timidez e fazia corar os mais embaraçados, simbolizava o amor, os corações entrelaçados. Era apenas uma opção de cor para quem o apreciava e não temia ser notado e ‘rotulado’... e agredido e humilhado...
O desrespeito é tamanho, a arrogância é tão tacanha, os julgamentos impostos aos outros por uma leva de condenados é coisa tão vil, que eu me avermelho de vergonha pelo vermelho desconfigurado em seu real significado... tão somente um cor.
Tal como o mundo caminha, eu me questiono se ainda me é permitido o menstruar saudável, posto que o sentido atribuído ora ao ‘vermelho’ tomou o rumo do ódio semanticamente desqualificado.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Será a crise...?

Pensando cá... com meus botões e fechos-éclair...

[Fonte: www.informamidia.com.br]


A cada dez frases proferidas nos últimos meses, em nove delas encontramos o bordão: ‘é a crise’! As pessoas me pedem orçamento para revisão de produções acadêmicas, e mesmo depois de negociados os descontos, justificam sua ‘penúria’ com o tal de: “é a crise!” Muitos, de fato, se encontram em situação de pouca monta. Outros, no entanto, não valorizam o trabalho alheio e escondem a sua ‘parcimônia’ por detrás do internalizado mote.

A crise é fato, ela existe. Muitos setores foram afetados, o crescimento tartaruga em seus passos, embora eu tenha cá pra mim que há muito caroço por baixo deste angu. De minha parte, eu confesso que não a sinto. Eu não a vivo. Nada mudou em minha vida. Não há diferença entre o antes e durante a crise em meu viver. Não deixei de viver ou consumir nada do que tive vontade e precisei. Em alguns casos, até, extrapolei. É certo que batalho para isto, mas se batalho é porque batalhas não me faltam, graças a Deus!

Observando o entorno, eu também não vejo o imperar da bendita crise, tal como a propagam e tentam incutir na mente do povo... sobretudo do mais ingênuo. No meu ambiente de trabalho, se ela quis entrar, não lhe abriram as portas, porque o crescimento por estas bandas segue seu caminho com passos firmes, largos, contínuos e longe, bem longe de estagnação. Os meus amigos continuam viajando, comprando, se alimentando bem, procurando investir... crescendo. Vejo bares e restaurantes repleto de pessoas, shoppings abarrotados, supermercados com filas a dar com o pau e não tenho conhecimento de um show adiado por falta de venda dos ingressos. Ovos de Páscoa à venda? Só os quebrados. Se no início do mês os chocolates dos coelhos eram tidos como os vilões do orçamento pascal, só escapou nas prateleira aquele que de tão apalpado se viu esfacelado.

No feriado da Páscoa, a Arena Pernambuco esteve lotada com o jogo da seleção brasileira de futebol. As estradas se esticaram em congestionamentos quilométricos. O espetáculo da Paixão de Cristo foi encenado para milhares de pessoas do País inteiro, durante oito dias. Os shows na cidade de Gravatá, com ingressos custando a bagatela de R$ 150,00, estiveram repletos de esfuziantes baladeiros, ávidos por sacudir seus esqueletos e já sonhando com o próximo feriado prolongado e novos eventos programados.

E eu me pergunto: onde está a crise? O que se entende por crise? Será que se aprendeu, assim, tão bem a viver em crise? É tema para um estudo de caso. Por favor, reúnam a cúpula de cientistas!

Eu cá comigo estou pensando que a crise pode ser...
De diarreia, de verme... talvez... o povo engole de tudo e às vezes não seleciona o que come.
De coluna... quem sabe... porque até banquinho no espetinho da esquina é só para quem chega cedo, mas ninguém perde um churrasquinho de gato ao final do expediente.
Pelo visto... a crise... nem de garganta... haja vista o estridente esgoelar das moçoilas enlouquecidas por um cabra com a alcunha de Safadão... Eu dou por vista se ele não fosse um sujeito ‘safado’!

Eis a arte de viver ‘na crise’... Como? Eu faço minhas as palavras do sábio Chicó: não sei, só sei que é assim.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Entre mártires e falsos heróis

Talvez tudo tenha começado com ‘30 míseras moedas de prata’...

[Fonte: www.desmotivaciones.es]

Desde então, a história é marcada por lutas pelo bem comum, pela justiça social, pela paz, pela igualdade entre os homens, pela equidade, o julgamento justo, imparcial, apartidário... Mal e bem em eterna peleja...
Justiça... parece um termo que caiu no vulgarismo, tornou-se banal... Cada um a trata segundo os seus interesses, outros usam de sua prerrogativa de autoridade maior para vomitar arbitrariedades... São os vilões, travestidos de paladinos da justiça, que justificam os meios pelos fins... E não se percebem iníquos... Pior: muitos não percebem quem eles são, de fato.
Doloroso é saber que nunca será fácil, nunca será justo, nunca será diferente... Enquanto houver um Tiradentes, haverá inúmeros Joaquim Silvério dos Reis. Enquanto houver um Antônio Conselheiro, proclamar-se-ão muitas guerras de Canudos. Enquanto houver Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina (as guerreiras de Tejucupapo), haverá uma centena de Calabares. Para cada Salvador Allende, milhares de Pinochets. Enquanto houver um Miguel Arraes, muitos Dias Fernandes e Justino Alves usarão de sua força para impedir que o bem esteja a serviço de todos...
Só nos resta seguir... sem perder a vontade de lutar, pacificamente e com fé, por aquilo que acreditamos. Sem perder os nossos valores. Sem nos deixar levar pelo engodo das ações daqueles que, hipócritas que são, mancham de vergonha os seus juramentos. Sem perder a memória, e levar em conta as dolorosas lutas do passado.
Que o primeiro de abril de 2016 não revisite aquele de 1964. E que não nos iludamos... lembremos que quando Júlio César se deu conta, era Brutus... e já era tarde demais...

segunda-feira, 7 de março de 2016

A Reviravolta dos Valores

Parece, mas não é o título de um livro ou de um longa-metragem. E também não é truque de ilusionista. De fato, está tudo fora do lugar...

Fonte: (www.profederpessoa.blogspot.com)


É uma pena que seja o retrato da vida real, não apenas uma imagem na tela do cinema. Parafraseando Nelson Rodrigues, é “A vida... como ela tem sido”.

Os aplausos de agora vão para quem faz escárnio do outro, para quem humilha, desdenha, discrimina... Valoriza-se mais o arrogante, o mesquinho, do que aquele que traz brandura na alma, que trata o outro com respeito. Fazer o mal, em muitos ambientes, é a competência mais apreciada.

Um líder, na essência da palavra, não é mais aquele condutor de um grupo, mas o dono dele. Não é aquele que trabalha junto com seus liderados, mas aquele que simplesmente manda que sigam suas ordens. As modernas senzalas estão abarrotadas de 'libertos' iludidos, por vezes armadilhados pela sobrevivência, comandados por falsos senhores.

Os tempos modernos trouxeram uma arma poderosa, e mais letal do que aquelas fabricadas com o uso das mais aprimoradas tecnologias: o dedo em riste. As pessoas se transformam em segundos em juízes, batedores de martelo, proclamadores de sentença, sem testar o pressuposto da dúvida, sem oportunizar a defesa, e, principalmente, se esquecendo de observar o seu rastro de ilicitudes. Basta um boato e se mata um inocente. Era bom quando apenas a grama do outro era mais verde. Era só um sinal de inconformismo. Agora é: ‘ele tem mais culpa que eu, então isto me exime de qualquer dolo’.

Os critérios de equidade e justiça não mais atingem a todos, apenas alguns ‘eleitos’ têm direito a elas. Os olhares são mais voltados aos próprios umbigos. A empatia perde mais força a cada dia. A leitura se distancia, a busca pela informação válida e útil é prática de poucos. A ponderação e o diálogo franco, apreciativo, aberto, isento de hipóteses e julgamentos são exercícios obsoletos. A reflexão virou coisa de alienado. Não se gera mais aprendizado. Lições aprendidas são coisas do passado, guardadas no porão de um museu qualquer. Assunção de causalidade? Mudemos de assunto...

Estamos perdendo a essência do que é ‘ser humano’ e nos perdendo em nós mesmos. Estamos nos afastando do Evangelho. Estamos batendo bifes na tábua dos mandamentos, fazendo caça-palavras com as escrituras, vivendo uma Quaresma às avessas... Estamos nos crucificando uns aos outros, sem estarmos atentos de que para nós não haverá Aleluia, nem Páscoa, nem ressurreição...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O(s) Modelo(s) que Carregamos...

Quem somos? Como a Ciência da Ação nos classifica? Como nos vemos?

Fonte: [www.elianelacerda.com]


Na Ciência da Ação, estudamos 4 modelos de pessoas, digamos assim, sejam líderes ou não. Claro, que quando falamos de organizações, tratamos tais modelos enquanto líderes. Temos, então, o Modelo 1, que é aquele líder autoritário, do ‘manda quem pode e obedece quem tem juízo’, sem permissão do diálogo, sem escuta apreciativa, sem trocas nem feedbacks. Em algum momento, este líder é eficaz, como um técnico de futebol, por exemplo, que precisa ser enérgico no comando do seu time. Mas, em longo prazo, a eficácia vai ao chão, e o fracasso é certo. O segundo modelo é chamado de Oposto ao Modelo 1, que é aquele líder (aquela pessoa) fingido, que faz de conta que gosta dos seus liderados, que barganha, que protege para ser protegido, que atua pelas costas, digamos assim. É o pior dos modelos, pois, no primeiro caso, mesmo agindo com abuso de autoridade, as pessoas sempre sabem com quem estão lidando, enquanto que este modelo é uma incógnita e nunca sabemos como agir, pois não sentimos confiança.

O terceiro modelo é chamado de Modelo 2, que é aquela pessoa (líder) democrática, que escuta apreciativamente, que promove o feedback, que não impõe julgamentos, mas, sim, investiga, testa os pressupostos, que compartilha do diálogo franco, aberto, confiável, que busca os objetivos comuns, que parceiriza com seus liderados, que se preocupa com as pessoas e com o ambiente comportamental, que busca compreender suas escolhas. Pensamos às vezes que este modelo não existe, que é utópico. Mas a história nos revelou muitos deles ao longo do tempo: Jesus, Gandhi, Buda, Madre Tereza de Calcutá, Princesa Diana... E, mais perto de nós, observamos o Padre Cícero, Dom Hélder Câmara, Frei Damião, o Papa Francisco... além dos anônimos por aí espalhados... Há os mortais, também, graças a Deus. Conheço muitos e convivi e aprendi com eles por mais de vinte anos e sigo aprendendo, não apenas porque seus ensinamentos seguem comigo, mas porque eles seguem se autoavaliando, se melhorando... e me inspirando...

Há ainda um quarto modelo, chamado de Modelo Híbrido, que é aquele considerado intermediário, de alguém que está passando por uma mudança, que deseja sair do Modelo 1 ou do Oposto a este, que sente a necessidade de ser uma pessoa melhor, de ser mais democrático, de desenvolver sua escuta e olhar apreciativos, que busca ser mais empático com o outro. Quem tiver a oportunidade, sugiro que assista a um filme chamado Um Golpe do Destino, que exemplifica perfeitamente este modelo e é uma grande lição para quem sente a necessidade de se promover mudanças. Às vezes, a vida nos impõe que mudemos... e dolorosamente, até...

E o que rege todos estes modelos? O que os diferencia? Os valores, as práticas sociais, o mundo comportamental (ou seja, o ambiente no qual estão inseridos), a cultura e conduta humana de cada um. Por que o Modelo 1 tem sucesso, mas não sustenta este sucesso por muito tempo? Por que o Oposto ao Modelo 1 se imagina o tempo todo sendo eficaz, sendo que sua eficácia dura apenas os instantes de suas ações? O que acontece a estes dois é que eles mudam apenas as suas estratégias de ação, e não os seus valores.

E o que pode levar o Modelo Híbrido a ser eficaz e eficiente de modo mais permanente, podendo até se transformar no Modelo 2? A sua vontade de rever e mudar os seus valores.

É fato que no mundo em que vivemos está cada vez mais difícil encontrar um Modelo 2 em quem se espelhar, mas eles existem, sim. Se você conhece alguém que, tem escuta apreciativa, permite o diálogo, o teste dos pressupostos, gera confiança, promove o feedback, e está sempre se permitindo ser avaliado, esteja certo de que é alguém que age com a mais positiva das virtudes de um bom líder/pessoa, que, demonstra humildade e a importância da autorreflexão, que deve ser o nosso exercício diário. Com certeza, é alguém que caminha na direção de um Modelo mais eficaz.

Torçamos para que estes se multipliquem... e nos inspirem a trilhar a mesma direção...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Saudando ‘Fre’vereiro

♫♪ Ao som dos clarins de Momo... ♫♪ Homem, se avexe, que eu quero cantar a ti esta canção!

Fonte: [www.acontecesantyago.blogspot.com]


'A corda', que 4 dias Eu acho é pouco! Estou louca para frevar embaixo de uma Pitombeira, tomar um bate-bate com doce, até lascar o quengo do Elefante! Cadê vocês, Felinto, Pedro Salgado, Guilherme e Fenelon? Acham que eu vou ficar só na Vassourinha? Estão pensando que eu vou este ano pra lua? E por acaso não é aqui que o frevo entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé?

Avia, meu povo, acorda, que já é hora de estar de pé! Levanta, que não vejo a hora de madrugar aos cacarejos do Galo mais famoso! De tanta Saudade, estou quase apanhando um Bonde, tomando a Batuta do maestro São José e botando o Pierrot pra casar com a Flor da Lira.

Se eu me cansar do frevo, vou no Passo da Ema, porque eu envergo fácil? Eu sou mameluco, sou de Casa Forte, sou de Pernambuco, eu sou o Leão do Norte. Eu sou Madeira de lei que o cupim não rói! Meu maracatu é da coroa imperial, é da casa real!

Se me apoquentarem com esta demora, eu lanço mão das minhas 7 Flechas, chamo toda a Nação Porto Rico pra pescar uma Piaba de Ouro e boto as sombrinhas na rua pros papangus jogarem capoeira! Cuidado com as Caretas dos Caiporas, não! Vou logo avisando! E não me venham com a história de que este será o meu Último Regresso, que só me restam os Valores do Passado!

Eu sei, eu sei que é de fazer chorar quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar, que a quarta-feira é ingrata e chega tão depressa, só pra contrariar... Mas até, lá... eu quero entrar na folia, meu bem. E você, sabe lá o que é isso? Tudo aqui parece que tem feitiço.

Tem batalha o ano todo, uma luta incessante pelo pão de cada dia... e nesta época a gente pensa: Nóis sofre, mais nóis goza, ora Ceroulas! E né, não, é? Ei? Psiu? Tu lá do outro lado da Marins dos Caetés, depois da juba do Leão do Norte, vem pra cá, não é?

Eu tu vinha, porque...

♫♪ É lindo ver ver o dia amanhecer,
Ouvir ao longe pastorinhas mil,
Dizendo bem, que o Recife tem,
O carnaval melhor do meu Brasil! ♫♪

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A arte pernambucana de se comunicar com os pés...

♪♫Mandou me chamar, eu vou, pra Recife festejar. Alegria no olhar eu vejo: é frevo, é frevo, é frevo♪♫.

[Fonte: www.g1.globo.com]

Foi assim que a terra do samba se rendeu ao nosso bailado ‘frevido’ e frevou na avenida, com a Estação Primeira de Mangueira, em 2008.

Frevar, frever, frevura, ferver: a pura efervescência do pernambucano quando ouve o seu ritmo maior. É assim que ele se comunica e se sabe entendido. Nos dias de folia, é com essa linguagem simples que o nosso povo fala para o mundo e ferve, promovendo o rebuliço, a reunião da massa, no vai e vem do movimento das sombrinhas, pelas ruas e ladeiras do estado.

É um tipo de comunicação que não exige fala, não evoca a norma culta, não suplica pela gramática. Nem exige coerência. Não pede coesão. Coordenação, talvez, para os mais exibidos... De um modo geral, fala-se com os pés, saltitantes, que parecem se desvencilhar da fervura que sai do chão. O ritmo, nascido da união entre músicas e danças, recebeu o nome de Frevo após sua primeira publicação em um jornal vespertino, em 09 de fevereiro de 1907. O jornalista usou de sua habilidade para escrever o que os pés da multidão já comunicavam pelas ruas da cidade.

Aprimorando o seu conversar com os pés, o pernambucano, então, evoluiu. Para vibrar, rodopiar, saltar em meio à multidão, criou o frevo de rua; para aplacar a efervescência dos seus passos, criou o frevo-canção; e para falar ao coração, criou o frevo de bloco.

Se os cantadores de emboladas nos falam com o improviso dos seus versos, o passista (bailarino) ginga, usa uns passos miúdos, outros complicados, uma dobradiça aqui, uma capoeira ali, uma mola e uma tesoura acolá... Se o sol por estas bandas é escaldante, a sombrinha protege o passista, ofertando a sua sombra e, de quebra, ainda adorna o bailado, com as cores da bandeira do seu estado.

E assim, aos primeiros acordes, o Frevo convida o povo a conversar... dançando, pulando, gingando, frevando, ‘frevendo’, levando a alma a compreender exatamente o que o corpo deseja expressar.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Uma peleja de 'frever' os corações...

A mais simples forma de comunicação de nosso povo...

Fonte: [www.interne.com.br]

Quando o frevo começou a tomar forma, dos pés do povo pernambucano surgiam conversas ritmadas, diálogos acrobáticos, prosas saltitantes, e da inspiração dos nossos mestres compositores saíam melodias que eternizaram esta linguagem. E a briga foi grande. Cada um que tentasse se comunicar melhor, com alma, com o coração. Cada um que tentasse traduzir melhor a emoção ‘frevida’ de seu povo.

Getúlio Cavalcanti saltou de lá e perguntou: “Quem conheceu Sebastião, de paletó na mão e aquele seu chapéu”? Luiz Bandeira, não aguentou a distância e cheio de saudade gritou: “Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço. Quero ver novamente Vassoura na rua abafando, tomar umas e outras e cair no passo”? Clídio Nigro e Clóvis Vieira imaginaram que Olinda não poderia ficar de fora. Então soltaram o verbo: “...Olinda, quero cantar, a ti esta canção: teus coqueirais, o teu sol, o teu mar, faz vibrar meu coração de amor, a sonhar, minha Olinda sem igual, salve o teu carnaval!” Marambá e Aníbal Portela preferiram render homenagem às duas cidades fazendo ecoar: “Evoé! Evoé! O carnaval de Pernambuco é vibração, é o gozo, é o suco, graças ao frevo e à Federação”. Os Irmãos Valença não acreditaram, acharam que a alegria daquele povo era sonho e começaram a cantar: “Eu tive um sonho que durou três dias, foi um sonho lindo, sonho encantador...”

Nelson Ferreira não se acostumava com a modernidade, com a ideia de acabar com o corso, com o romantismo dos carnavais de clube, queria o passado de volta. Saiu com essa: “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon! Cadê teus blocos famosos? Blocos das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôis Fum, dos carnavais saudosos?” Edgar Moraes também relembrava os antigos carnavais: “...Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé, os queridos Batutas da Boa Vista, e os Turunas de São José. Príncipes dos Príncipes brilhou, Lira da Noite também vibrou, e o Bloco da Saudade assim recorda tudo que passou...”

Capiba, então, não deixou por menos. Mostrou que pernambucano é cabra da peste, que não veio neste mundo a passeio. Mandou, na lata, mostrando nossa força e tradição e se recusando a aceitar facilmente as injustas derrotas: “... e se aqui estamos cantando essa canção, viemos defender a nossa tradição e dizer bem alto que a injustiça dói: nós somos madeira de lei que o cupim não rói!” Luiz Bandeira tentou amenizar a situação, lembrando que tudo tem um dia para acabar e de lá cantou: “Oh! quarta-feira ingrata, chega tão depressa só pra contrariar...”? Mas o mestre João Santiago, que não estava nem aí, queria mais. Assim, largou o verso e deixou o frevo rolar: “Eu quero entrar na folia, meu bem! Você sabe lá o que é isso! Batutas de São José, isto é, parece que tem feitiço... Deixa o frevo rolar, eu só quero saber se você vai brincar. Ai, meu bem, sem você não há carnaval. Vamos cair no passo e a vida gozar”.

E foi assim... é assim, assim sempre será. Esta é a nossa mais bela e prazerosa forma de comunicação. Alguns mestres se foram, outros vivem entre nós, novos surgem, e todos continuam embalando nossa memória, reescrevendo a nossa história, fazendo pulsar os corações, ‘frever’ os nossos pés, criando novas formas de expressão, mantendo viva a linguagem do nosso povo, que fala com o corpo, com a alma e o coração.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quando a modernidade fere de morte o 'que ficou no passado'...

Porque eu sou de outrora, seu moço...


[Fonte: www.lcdgankara.or]

A minha 'metralhadora' dispara lirismo, poesia, versos docemente rimados... um bailado compassado, acompanhando a melodia do pau e cordas, dos banjos, dos clarins... vindas lá do idos de Capiba, de Raul e Edgar Moraes, Getúlio Cavalcanti... Chiquinha Gonzaga...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Amo o saudosismo e a poesia dos frevos de blocos, assim mesmo, ‘cansados e ultrapassados’, como se costuma dizer. Eu vibro ao entoar o Hino de Elefante, Pitombeiras, Ceroulas... Sinto agonia nos pés só de imaginar um acorde de Vassourinhas. Minha alma se alegra com o Voltei Recife, Evocação Número 1... com os verdadeiros Valores do Passado... e me desmancho em lágrimas só de ouvir na terça-feira gorda o Último Regresso...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Talvez a minha 'metralhadora' não seja moderna, meu 'lepo-lepo' seja apenas aquele recado ameaçador da minha mãe, diante das raras traquinagens... O que 'soca, soca' o estomago é certo som irritante que, tal qual muriçoca, ‘pica, pica’ a alma da gente, causando uma ira angustiante...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Não sou moderna, moço... Quando se trata de ‘Eu vou, eu vou... não sei pra onde’ (Pobre Bela Adormecida e seus anões, apunhalados em sua ingenuidade), de ‘bilu, bilu, bilu, bilu’ e tudo o que sai deste terreno fértil de mau gosto, sem charme, maculador da inocência... e de tantas outras coisas que embrulham o estomago, machucam os ouvidos e aniquilam a cultura de um povo... Desta modernidade eu quero distância, corro léguas...


Porque eu sou de outrora, seu moço... vivo neste passado que me encanta, e cada vez que o revisito, passo, com certeza, os melhores dias do ano por lá...