quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A arte pernambucana de se comunicar com os pés...

♪♫Mandou me chamar, eu vou, pra Recife festejar. Alegria no olhar eu vejo: é frevo, é frevo, é frevo♪♫.

[Fonte: www.g1.globo.com]

Foi assim que a terra do samba se rendeu ao nosso bailado ‘frevido’ e frevou na avenida, com a Estação Primeira de Mangueira, em 2008.

Frevar, frever, frevura, ferver: a pura efervescência do pernambucano quando ouve o seu ritmo maior. É assim que ele se comunica e se sabe entendido. Nos dias de folia, é com essa linguagem simples que o nosso povo fala para o mundo e ferve, promovendo o rebuliço, a reunião da massa, no vai e vem do movimento das sombrinhas, pelas ruas e ladeiras do estado.

É um tipo de comunicação que não exige fala, não evoca a norma culta, não suplica pela gramática. Nem exige coerência. Não pede coesão. Coordenação, talvez, para os mais exibidos... De um modo geral, fala-se com os pés, saltitantes, que parecem se desvencilhar da fervura que sai do chão. O ritmo, nascido da união entre músicas e danças, recebeu o nome de Frevo após sua primeira publicação em um jornal vespertino, em 09 de fevereiro de 1907. O jornalista usou de sua habilidade para escrever o que os pés da multidão já comunicavam pelas ruas da cidade.

Aprimorando o seu conversar com os pés, o pernambucano, então, evoluiu. Para vibrar, rodopiar, saltar em meio à multidão, criou o frevo de rua; para aplacar a efervescência dos seus passos, criou o frevo-canção; e para falar ao coração, criou o frevo de bloco.

Se os cantadores de emboladas nos falam com o improviso dos seus versos, o passista (bailarino) ginga, usa uns passos miúdos, outros complicados, uma dobradiça aqui, uma capoeira ali, uma mola e uma tesoura acolá... Se o sol por estas bandas é escaldante, a sombrinha protege o passista, ofertando a sua sombra e, de quebra, ainda adorna o bailado, com as cores da bandeira do seu estado.

E assim, aos primeiros acordes, o Frevo convida o povo a conversar... dançando, pulando, gingando, frevando, ‘frevendo’, levando a alma a compreender exatamente o que o corpo deseja expressar.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Uma peleja de 'frever' os corações...

A mais simples forma de comunicação de nosso povo...

Fonte: [www.interne.com.br]

Quando o frevo começou a tomar forma, dos pés do povo pernambucano surgiam conversas ritmadas, diálogos acrobáticos, prosas saltitantes, e da inspiração dos nossos mestres compositores saíam melodias que eternizaram esta linguagem. E a briga foi grande. Cada um que tentasse se comunicar melhor, com alma, com o coração. Cada um que tentasse traduzir melhor a emoção ‘frevida’ de seu povo.

Getúlio Cavalcanti saltou de lá e perguntou: “Quem conheceu Sebastião, de paletó na mão e aquele seu chapéu”? Luiz Bandeira, não aguentou a distância e cheio de saudade gritou: “Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço. Quero ver novamente Vassoura na rua abafando, tomar umas e outras e cair no passo”? Clídio Nigro e Clóvis Vieira imaginaram que Olinda não poderia ficar de fora. Então soltaram o verbo: “...Olinda, quero cantar, a ti esta canção: teus coqueirais, o teu sol, o teu mar, faz vibrar meu coração de amor, a sonhar, minha Olinda sem igual, salve o teu carnaval!” Marambá e Aníbal Portela preferiram render homenagem às duas cidades fazendo ecoar: “Evoé! Evoé! O carnaval de Pernambuco é vibração, é o gozo, é o suco, graças ao frevo e à Federação”. Os Irmãos Valença não acreditaram, acharam que a alegria daquele povo era sonho e começaram a cantar: “Eu tive um sonho que durou três dias, foi um sonho lindo, sonho encantador...”

Nelson Ferreira não se acostumava com a modernidade, com a ideia de acabar com o corso, com o romantismo dos carnavais de clube, queria o passado de volta. Saiu com essa: “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon! Cadê teus blocos famosos? Blocos das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôis Fum, dos carnavais saudosos?” Edgar Moraes também relembrava os antigos carnavais: “...Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé, os queridos Batutas da Boa Vista, e os Turunas de São José. Príncipes dos Príncipes brilhou, Lira da Noite também vibrou, e o Bloco da Saudade assim recorda tudo que passou...”

Capiba, então, não deixou por menos. Mostrou que pernambucano é cabra da peste, que não veio neste mundo a passeio. Mandou, na lata, mostrando nossa força e tradição e se recusando a aceitar facilmente as injustas derrotas: “... e se aqui estamos cantando essa canção, viemos defender a nossa tradição e dizer bem alto que a injustiça dói: nós somos madeira de lei que o cupim não rói!” Luiz Bandeira tentou amenizar a situação, lembrando que tudo tem um dia para acabar e de lá cantou: “Oh! quarta-feira ingrata, chega tão depressa só pra contrariar...”? Mas o mestre João Santiago, que não estava nem aí, queria mais. Assim, largou o verso e deixou o frevo rolar: “Eu quero entrar na folia, meu bem! Você sabe lá o que é isso! Batutas de São José, isto é, parece que tem feitiço... Deixa o frevo rolar, eu só quero saber se você vai brincar. Ai, meu bem, sem você não há carnaval. Vamos cair no passo e a vida gozar”.

E foi assim... é assim, assim sempre será. Esta é a nossa mais bela e prazerosa forma de comunicação. Alguns mestres se foram, outros vivem entre nós, novos surgem, e todos continuam embalando nossa memória, reescrevendo a nossa história, fazendo pulsar os corações, ‘frever’ os nossos pés, criando novas formas de expressão, mantendo viva a linguagem do nosso povo, que fala com o corpo, com a alma e o coração.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quando a modernidade fere de morte o 'que ficou no passado'...

Porque eu sou de outrora, seu moço...


[Fonte: www.lcdgankara.or]

A minha 'metralhadora' dispara lirismo, poesia, versos docemente rimados... um bailado compassado, acompanhando a melodia do pau e cordas, dos banjos, dos clarins... vindas lá do idos de Capiba, de Raul e Edgar Moraes, Getúlio Cavalcanti... Chiquinha Gonzaga...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Amo o saudosismo e a poesia dos frevos de blocos, assim mesmo, ‘cansados e ultrapassados’, como se costuma dizer. Eu vibro ao entoar o Hino de Elefante, Pitombeiras, Ceroulas... Sinto agonia nos pés só de imaginar um acorde de Vassourinhas. Minha alma se alegra com o Voltei Recife, Evocação Número 1... com os verdadeiros Valores do Passado... e me desmancho em lágrimas só de ouvir na terça-feira gorda o Último Regresso...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Talvez a minha 'metralhadora' não seja moderna, meu 'lepo-lepo' seja apenas aquele recado ameaçador da minha mãe, diante das raras traquinagens... O que 'soca, soca' o estomago é certo som irritante que, tal qual muriçoca, ‘pica, pica’ a alma da gente, causando uma ira angustiante...

Porque eu sou de outrora, seu moço...

Não sou moderna, moço... Quando se trata de ‘Eu vou, eu vou... não sei pra onde’ (Pobre Bela Adormecida e seus anões, apunhalados em sua ingenuidade), de ‘bilu, bilu, bilu, bilu’ e tudo o que sai deste terreno fértil de mau gosto, sem charme, maculador da inocência... e de tantas outras coisas que embrulham o estomago, machucam os ouvidos e aniquilam a cultura de um povo... Desta modernidade eu quero distância, corro léguas...


Porque eu sou de outrora, seu moço... vivo neste passado que me encanta, e cada vez que o revisito, passo, com certeza, os melhores dias do ano por lá...