Um
processo que começa a partir de nós mesmos
Se pensarmos nas mudanças que desejamos
imprimir em nossas vidas, algumas delas não são implementadas por falta de
planejamento estratégico. E por que digo “algumas delas”? Acredito que
planejamento estratégico está atrelado também à mudança de valores. Entretanto,
para que tal mudança ocorra, é necessário ir muito mais além dele. Um mergulho
interno deve ser pensado e realizado. Ao reler algumas das publicações de David
Hutchen[1],
lembrei-me de uma, em especial, que nos remete aos temas centrais que permeiam
um planejamento estratégico: aprender, aprender a aprender, construir, promover
e partilhar aprendizado. E descobrir-se aprendiz, é claro. Como gosto de
conversar com os textos, farei isso com a obra de Hutchens, enquanto dedico
algumas linhas a refletir sobre planejamento estratégico. “Lobos sempre comeram
ovelhas. Eles sempre comerão ovelhas. Se você é uma ovelha, já aceita isso como
um fato da vida” (p.14). Tal fato é uma verdade. Mas será verdade que tenhamos
que aceitar todos os fatos da vida como verdades
absolutas e imutáveis? Não. Certamente, não.
[...] Era
uma vez um rebanho de ovelhas que vivia em uma linda pastagem verde. Mas a vida
do rebanho não era tranquila. Os lobos representavam uma ameaça constante,
lançando uma sombra de medo sobre a pastagem. [...] Era difícil conseguir viver
nesse ambiente de incertezas. Mesmo assim, ao longo dos anos, o rebanho ia se
tornando maior, e maior e maior. As perdas ocasionais, apesar de muito tristes,
já eram algo esperado. Foi assim que as coisas sempre aconteceram (p. 18-19).
“Foi assim que as coisas sempre
aconteceram”. Muitas vezes ensaiamos mudanças, desejamos reviravoltas em nossas
vidas, mas nos deparamos exatamente com esta frase: Por que mudar se as coisas
sempre foram como foram? Na obra de Hutchens, o personagem principal tem uma
passagem muito curta, porém é a mais importante e relevante para a construção
de sentido que ele pretendeu em sua linguagem. Atentemos para Otto, uma ovelha
que se recusava a manter-se resignada.
[...] A
resignação do rebanho em relação aos lobos causava em Otto um grande desânimo.
“_Eu tenho um sonho...” – disse Otto, empoleirado sobre um morro de onde todos
os demais podiam ouvi-lo. “_ Eu sonho com o dia em que mais nenhuma ovelha
morrerá para tornar-se o café da manhã de um lobo”. “_Isso é um absurdo”! –
disse a ovelha Shep. – Você não pode deter os lobos. Lembre-se das sábias
palavras de nossos ancestrais: ‘Os lobos virão, assim como o sol nascerá’
(p.22-23).
Resignação é algo muito forte,
importante, mas, sobretudo, um termo mal empregado muitas vezes. Resignar-se é,
também, desistir da luta, estacionar, estagnar, regredir. Resignar-se, em
alguns momentos, é ausência de coragem. Coragem para arriscar, para aprender
uma nova forma, para mudar. E Otto continua:
[...]
“_Enquanto os lobos existirem, nosso número representa apenas uma meia verdade”
– disse Otto. “_Dizemos a nós mesmos que somos fortes para não ter de encarar
nossas fraquezas”. [...] “_Todos dizemos que os lobos não podem ser detidos.
Mas como podemos saber se isso é verdade?” Uma ovelha chamada Caco respondeu:
“_Isso é verdade! Até mesmo a cerca que nos rodeia não consegue manter os lobos
distantes. No princípio, ela os detia. Mas eles devem ter aprendido a pular por
cima dela. Os lobos aprendem muito rapidamente”. “_Então nós precisamos
aprender ainda mais rápido!” – disse Otto. “_Precisamos fazer com que a
aprendizagem faça parte da vida do rebanho. Nós nos tornaremos um
rebanho que aprende” (p. 24-25).
Ora, se os lobos aprendiam, por que
as ovelhas também não podiam aprender? Por que nós não podemos aprender? Por
que não nos tornarmos organizações que aprendem? Organização aqui se entenda
toda e qualquer constituição de um grupo de pessoas: a família, a igreja, a
escola, o clube de futebol, a feira livre, as empresas, até nós mesmos, nós
enquanto organização de um ser vivo, pensante, desejoso de mudanças... E por
que não começarmos este processo de aprendizagem a partir de nós mesmos? Como?
Planejando, e planejando estrategicamente, e implementando nossas mudanças,
internas e externas.
E como iniciar esse processo? É
fácil? Não poderia ser. Todo processo de mudança requer entrega, abertura,
experimentação, tentativas, fracassos, recomeços. Não poderia ser fácil. E por
que buscar o fácil se o aprendizado de maior valia está justamente naquilo que
nos demanda mais tempo, mais energia, empenho, vontade de alcançar o êxito? Se a
mudança inicia em nós, por onde começar? Aos vinte anos é muito cedo? Aos 45 é
muito tarde? Creio que não há uma receita pronta, um momento exato, um instante
adequado. O momento para começar está exatamente localizado dentro de cada um
de nós. O importante é não deixar passar a oportunidade quando esta cintilar
diante dos nossos olhos.
E fechado o ciclo (planejamento,
implementação, alcance dos resultados...), encerra-se o nosso aprendizado?
Cessam as buscas? É chegado o fim? Não haverá nada mais a alcançar? De fato,
podemos enxergar tal processo como ciclo, no sentido do “girar”, mas nunca como
fechado, encerrado. Imaginemo-lo sempre como um espiral, cuja ponta girará
sempre em busca de algo que nunca terá fim em si mesmo, mas, sim, sinalizará a
cada instante um novo recomeço, um novo aprendizado a construir, promover,
partilhar.
E sobre “Otto”, a ovelhinha de
Hutchens? Ele não resistiu aos ataques dos lobos, mas sua recusa à resignação
conduziu o rebanho a um processo de reflexão, tornando-o atento, aberto à
experimentação, à escuta apreciativa, e, sobretudo, transformando-o num ambiente
de aprendizagem.
É preciso que estejamos atentos, que possamos refletir e nos inspirar,
enxergando dentro de cada um de nós a capacidade de construir e multiplicar
cada vez mais ambientes de aprendizagem, a partir de planejamento estratégico,
visão compartilhada, abertura à experimentação, reflexão-na-ação, nos comprometendo com a busca pela melhoria das condições de vida num mundo – o
maior e mais complexo de todos os ambientes de aprendizagem – que é de todos
nós.
[1] Aprendendo com os lobos: sobrevivendo e
prosperando na organização que aprende. Editora Nova Cultural: São Paulo, 1999.
béééé
ResponderExcluirA sua cara isto :)
ResponderExcluirMas te sou grata, porque os livrinhos que herdei de ti são preciosos e sempre revisitados. Beijos.