Eu me perdi em ti desde a primeira
vez em que te vi...
(Foto: Art of Woman)
Uma
curva, uma esquina, um esbarrão naquele moço que não me deixava passar. O moço
de chapéu azul. Um olhar penetrante, assustador. Foi difícil continuar os
passos. A impressão ficou durante todo o dia, e com ela os porquês. Eu não pude
me distanciar dele sem olhá-lo até perder de vista. Um susto. Uma estranha
sensação. Quem era ele? De onde vinha? Por que nunca o vira antes? Por que não
saía do meu pensamento? Por que queria vê-lo de novo? Por que tantos porquês?
Passado o impacto, a vida seguia o seu curso. Será? Não. A minha vida nunca
mais fora a mesma desde aquele dia...
A
tarde chegara. Hora de ir à escola. Nesse instante, a seriedade fazia morada.
Nada de estripulias. Era uma menina comportada. Outra vez o moço que vira
naquela manhã. Só mudara de boné. Meu corpo inteiro tremeu. Que sensação era
aquela, meu Deus? Por que parecia tão importante que ele estivesse ali? Por que
o medo de olhar para ele? Ao mesmo tempo, por que não conseguia deixar de
olhá-lo? A inocência não dava espaço às respostas. Outra vez o seu olhar,
maravilhoso olhar... A ingenuidade não permitia a leitura dos olhos, não se
fazia compreensível. Mas era exatamente aquele olhar que alegrava minh’alma.
No
dia seguinte... Uma caminhada em uma rua movimentada, carros indo e vindo sem
parar, a travessia exigia cuidado. Outra vez, aquele moço... Nova troca de
olhares, um arrepio na espinha, um medo não sei de quê. Eu, a menina inocente,
de olhar tímido, mas de passos serelepes, jeito moleque, sorriso matreiro,
totalmente paralisada. Tu, um adolescente, te descobrindo homem, divertindo-te
com teus amigos em um jogo de bilhar, interrompendo a partida para apreciar o
caminhar daquela menina espevitada. Outra vez nos olhamos até que a distância
afastasse de nós o que a pupila podia alcançar. Sem que eu soubesse, estava
traçado ali o destino do meu coração... Sem querer, sem saber, entregava a ti o
mais puro dos sentimentos, passava às tuas mãos a minha vida.
E
dali por diante deu-se a constância dos encontros... hoje tão raros. Nenhuma
palavra era trocada. Os nossos olhos falavam por nós. A frequência dos encontros
alcançou novos espaços: a padaria, passeios por outras ruas, as festas do
bairro, em casa de conhecidos. Nenhuma palavra dirigida, apenas aquele olhar,
que tanto me fascinava e, ao mesmo tempo, me amedrontava. Não conseguia saber
de fato o que sentia, mas se passasse um dia sequer sem vê-lo, batia-me uma
tristeza que parecia não ter fim. E o procurava infinitamente por todos os
lados. Um belo dia, nos demos a falar. O medo, então, cresceu infinitamente: o
que dizer? Não importava: os nossos olhos falavam por nós. Sempre falaram...
Seguimos
assim por vários anos: encontros, cumprimentos, trocas de olhares. Meu coração
foi aos poucos compreendendo a dimensão do que eu sentia e descobrindo a cada
dia o que era o amor. A chuva, uma leve garoa, foi a responsável por unir os
nossos olhos em direção aos nossos lábios, e eu terminei por me perder
definitivamente.
O
beijo... Às vezes um gesto tão simples, mas capaz de provocar sensações
infinitas. Por vezes angelical, outras vezes voraz. Às vezes esperado por anos
e, de repente, surpreendente, inesquecível... Sinto a falta do teu beijo, à
medida que tenho sede. E cada vez que o tenho em mim, nos nossos raros, loucos,
mas intensos encontros, é como se fora o mesmo daquela tarde de garoa...
A
inocência dos 11 anos não permitia sentimentos senão os de medo, curiosidade,
alegria em vê-lo... Até que um dia a flor se percebe madura, e sente a
necessidade de abrir-se. Assim nasceu meu desejo. Nem lembro como, mas em meio
a todos os outros sentimentos, nasceu um calor dentro de mim, uma vontade intensa
de querer aquele corpo colado ao meu. Eu o desejava intensamente, meu corpo
flamejava a cada toque de suas mãos. Mas ainda havia o medo... E o tempo ainda
atuou sobremaneira até a entrega total.
E
o amor se fez, tal qual nossos mistérios, tal qual a nossa curiosa história... Demo-nos
um ao outro, sem planos, sem hora marcada. Era início da primavera, estação
mais propícia, não teria. Vivemos o acaso, festejamos o milagre da entrega.
E
desde aquele dia, por mais que o meu corpo por ventura caia em outros braços,
ele será eternamente teu. É para ti, por ti, o meu desejo; o meu cansaço em
busca do teu colo; o meu sono em busca do sonho; a minha escuridão em busca do
brilho dos teus olhos, a minha boca à procura da tua, a minha vida inteira
atrelada a ti. Viverei por te amar, sempre, mesmo que não tenha a ti, mesmo que
vivamos eternamente envoltos em fortuitos encontros, mesmo que estejamos
ladeados por outros quereres. A nossa história teve um começo, foi permeada por
muitos meios, mas jamais terá escrita em sua página um “fim”. Amo-te tanto e
sempre, corpo, alma e coração.
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